De todos os animais que conhecemos o cachorro é o que mais se uniu a nós. Sejam príncipes que lhe dão farta comida e leito de plumas, ou mendigos que dormem ao relento e só podem oferecer-lhe uma pequena parte das suas próprias migalhas: idêntica é a sua afeição e dedicação, e com igual amor lambe a mão ornada de joias e os dedos trémulos, consumidos de doenças e de fome.
Para o cachorro o tempo parou. O que vale para ele é ainda o coração, e sua devoção provém de uma época romântica. Sua alma, incólume ao século nervoso das bombas atómicas e das viagens interplanetárias, não conhece nem malícia nem falsidade; com a mesma alegria natural ele nos acompanha na chuva torrencial e no forte calor: sempre o amigo mais fiel do homem.
Mas esta sua entrega completa ao homem e o nosso domínio absoluto sobre um ser que não tem alternativa de optar por um ou outro dono impõem-nos, além da obrigação de dar-lhe comida e teto, o dever de tentar compreendê-lo, de descobrir seu génio, enfim, de amar este escravo que encadeamos à nossa existência.
A inteligência do cão, o seu caráter, o seu poder de observação e a sua capacidade de agir com uma aparente compreensão íntima não devem, no entanto, iludir-nos. Ele continua a ser um animal que a natureza criou. Se ela o dotou de grande devoção, da boa vontade de subordinar-se e da tendência a obedecer a um espírito forte, então cabe a nós coordenar estes dons e fazê-los úteis.
As boas intenções às vezes falham. Por quê? — A falta de conhecimentos mais familiarizados e do bom senso indispensável são quase sempre os motivos que forçam o cão a levar uma vida que não corresponde à sua natureza. Consequência: o animal, não se sentindo bem, torna-se renitente; o homem interpreta a renitência como sinal de mau caráter; as relações, já pouco satisfatórias, pioram e passam para a desconfiança mútua: o homem desanima, o cachorro está estragado.
Todavia, o mesmo animal na mão de uma pessoa que lhe proporcione existência mais congenial — que tente penetrar a psique canina e saiba transmitir-lhe de modo inteligível suas intenções — desenvolver-se-á num ótimo cachorro, manso, disciplinado, incondicionalmente dedicado ao seu patrão.
Realmente, não existe uma única razão para que cada um de nós não possa ter um cão bondoso, infalível amigo da família. Como você verá mais adiante neste livro, são as nossas próprias atitudes que — via de regra e apesar das boas intenções — nos conduzem, às vezes, a malogros.
O norte-americano Will Judy, que serviu de juiz em exposições caninas em quase todos os países sul-americanos e que é, sem dúvida, um dos maiores conhecedores de cães, respondeu assim à pergunta "Por que adquirir um cão?":
"A fim de esquecer-se dos desgostos ou das preocupações do dia quando, ao voltar à casa, for recebido por um animal cujo coração só bate por você e que não acredita na possibilidade de uma separação".
Em outra ocasião, respondendo à mesma pergunta, Judy afirmou: "Para que os filhos, crescendo junto dos cães, tenham na benignidade e na solicitude, na dedicação e na obediência — qualidades inerentes ao cão — bons exemplos para a própria vida".
De fato, não é exagero afirmar-se que um cachorro pode formar um homem.
É bom lembrar que dono e cão vivem melhor juntos desde que os temperamentos correspondam. Quem é dotado de caráter vivo não gostará muito de um cão pacato, que precisa sempre de estímulo para locomover-se. E aquele que aprecia uma vida calma por certo se sentirá desesperado quando o seu cão, impetuoso, pular para lá e para cá, convidando-o a todo momento para brincar. Mas há os que nunca se dariam bem com cachorros: os coléricos e nervosos. Estes estragariam cada cão que possuíssem.
O dono é um deus para o seu cão. Incondicionalmente e negligenciando a própria vida, é-lhe dedicado e não deixa passar uma única oportunidade sem lhe transmitir a sua declaração de amor. O cão pode tremer de medo na mesa do veterinário que lhe aplica uma ligeira injeção, mas tolera calmamente um tratamento bastante doloroso nas mãos do seu patrão. Somente este tem sua plena confiança e ao seu lado ele jamais temerá uma tortura.
Os culpados somos nós — Nunca se deve deixar que um cão se desenvolva fisicamente sem passar pelo menos pelas instruções básicas. Com "instruções básicas" quero dizer em primeiro lugar "civilizar", iniciar a educação do filhote. Tirar, enfim, certos hábitos — em nosso sentido desagradáveis — que do ponto de vista do cão são passatempos, frequentemente bem divertidos.
Por exemplo: achamos engraçado se um filhotinho brinca com um sapato maior do que ele. Com toda a energia, ele tenta puxar este "monstro" com seus dentinhos que quase não têm força para dominar a presa. Quando, porém, o mesmo cachorro alguns meses mais tarde rasga o sapato, aborrecemo-nos e o castigamos. Por quê? Como o cão pode saber que não deve mais brincar com estas coisas, justamente quando é capaz de parti-las com os dentes? Quem tem culpa? O cachorro cometeu o mesmo "crime". Só que uma vez achamos graça e na outra o condenamos.
Por isto, um conselho: não acostume o pequeno a aventuras que você não quer ver no adulto.
Lembre-se também de que no cachorro, ao lado de suas paixões principais — comer e reproduzir-se — desenvolve-se, sem dúvida com grande vantagem para nós, um capricho especial: a vontade de agradar.
Um cão nunca esconde seu orgulho por um trabalho bem executado e depois sua alegria quando é elogiado pelo dono. Explorando estas qualidades do nosso amigo e prevalecendo-se de sua satisfação você conseguirá ótimos resultados na difícil arte da instrução canina.
A infelicidade dos cãezinhos — Talvez você não se recorde de como lhe surgiu pela primeira vez a ideia de possuir um cão.
Mas existem muitas pessoas que, observando um filhote e divertindo-se com suas travessuras, sentem subitamente o desejo de adquirir tal "brinquedo". E o fazem, sem levar em
conta que este nené será um dia um cachorro adulto e depreciando por completo quanta trabalho exige um cão bem tratado.
"A infelicidade dos cãezinhos novos é o seu aspecto burlesco, o seu gracejo desajeitado", disse certo dia um criador. E isto é uma triste verdade.